O Mal-Estar na Civilização: Resumo dos Capítulos 1 e 2 + Análise

Nessa parte do nosso Guia de estudo de O Mal-Estar na Civilização trazemos os resumos dos capítulos 1 e 2 do livro de Sigmund Freud, além de uma análise sobre o que foi discutido até então.

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O Mal-Estar na Civilização: Resumo do Capítulo 1

Nos parágrafos introdutórios, Freud lida com o que um colega chama de “sentimento oceânico” – A sensação de infinitude e unidade sentida entre o ego e o mundo exterior. Ele afirma que este sentimento é “um fato puramente subjetivo, e não um artigo de fé.” Ele não indica uma lealdade a uma religião específica, mas em vez disso aponta para a origem do sentimento religioso dos seres humanos. Igrejas e instituições religiosas são hábeis em canalizar esse sentimento em sistemas de crenças, mas não podem criá-lo.

Freud não pode atestar ter experimentado este sentimento “oceânico”, e ainda a sua falta de identificação não levá-o a negar a sua existência para os outros seres humanos. Pelo contrário, ele tenta compreender o fenômeno cientificamente: se o sentimento não tem nenhum sinal externo fisiológico, tem de haver uma explicação psicanalítica para ele. Freud passa a resumir suas descobertas anteriores.

Entenda: Id, Ego e Superego 


Em geral, o ego percebe “linhas nítidas e claras de demarcação” com o mundo exterior. Somente no auge do amor o ego conscientemente permite que essa fronteira se torne mais fluida e permeável sem se sentir ameaçado. Esta distinção entre interior e exterior é uma parte crucial do processo de desenvolvimento psicológico, permitindo ao ego reconhecer uma “realidade” separada de si mesmo. Numa fase inicial de desenvolvimento, o ego tinha um sentimento abrangente, quase sem limites do mundo ao seu redor; com a maturidade vem um senso da realidade, porque o ego delimita-se do mundo exterior.

Freud, então, pergunta: tal inferência sobre os primeiros estágios de desenvolvimento psicológico é sólida? Em outras palavras, podemos descrever estados de espírito que já não nos habitam?

Sim, explica Freud, porque a ciência faz precisamente tais afirmações o tempo todo, por exemplo, sobre a evolução das espécies mais elevadas das menores formas de vida, mesmo que as ligações intermediárias estejam materialmente ausentes. A mente é excepcional porque os sentimentos infantis e adultos continuam a coexistir ao longo da vida de uma pessoa: uma vez que uma memória foi gravada, nunca é apagada, e pode ser chamada para a superfície sob as circunstâncias corretas. Freud usa outra analogia no campo da arqueologia, descrevendo a escavação de ruínas sob edifícios atuais. Ele toma Roma, a “Cidade Eterna”, como um exemplo, apenas para concluir que a analogia é insuficiente porque a mente não pode finalmente ser representada em termos visuais ou pictóricos.

Freud revisa sua declaração anterior sobre a memória: “O que é passado na vida mental pode ser preservado e não está necessariamente apagado.” Ele volta para a questão do sentimento “oceânico” com que o capítulo começa, descartando-o como uma explicação sobre a origem do sentimento religioso de seres humanos. Em vez disso, de acordo com Freud, é um desejo de proteção paterna na infância que continua sustentando na vida adulta um “medo do poder superior do Destino.” Freud reitera sua frustração com o fato de que este “sentimento de unidade com o universo” é intangível à análise científica tradicional, porque não tem base fisiológica.


O Mal-Estar na Civilização: Resumo do Capítulo 2

Em O Futuro de uma Ilusão, Freud lamenta a preocupação do homem comum com o “pai extremamente exaltado” encarnado por Deus. Toda a ideia de “subornar” um suposto ser superior pela recompensa do futuro é infantil, para Freud. A realidade é, no entanto, que as massas de homens persistem nesta ilusão por toda sua vida.

De acordo com Freud, os homens apresentam três principais mecanismos de enfrentamento para contrariar a sua experiência de sofrimento no mundo:

  1. a deflexão de dor e decepção (através de distrações previstas);
  2. satisfações substitutivas (principalmente através da substituição da realidade por arte);
  3. substâncias entorpecentes.

Freud conclui que a religião não pode ser claramente categorizada dentro deste esquema.


Antes de seguir, entenda os conceitos de Princípio do PrazerSublimação:


Reconsiderando o assunto, Freud afirma que a crença religiosa pode responder à pergunta do propósito final da vida. No imediato, os homens se esforçam para serem felizes, e seu comportamento no mundo exterior é determinado pelo princípio do prazer. Mas as possibilidades de felicidade e prazer são limitadas, e mais frequentemente experimentamos infelicidade das três fontes seguintes:

  1. o nosso corpo;
  2. o mundo exterior;
  3. as nossas relações com outros homens.

Nós empregamos várias estratégias para evitar desagrado: isolando-nos voluntariamente, tornando-se membros da comunidade humana (ou seja, contribuir para um esforço comum), ou influenciar nossos próprios corpos.

A intoxicação é um método particularmente prevalente de influência. Às vezes, o nosso objetivo é controlar nossos instintos através de práticas de meditação espiritual. A sublimação dos instintos é um outro método de influência, envolvendo o “deslocamento da libido” ou recanalização de energias para outras atividades.

A disciplina necessária para influenciar nossa psique faz esta estratégia disponível para muito poucos; mais comumente, obtemos a satisfação das ilusões, como o gozo fornecido por obras de arte, que fornece alívio temporário da miséria do mundo exterior. Outra estratégia, como mencionada anteriormente, é o isolamento, mas a realidade se intromete muito vigorosamente para uma ilusão solitária persistir. Finalmente, Freud aponta para o amor como uma fonte de felicidade potencialmente intensa, mas tem como inconveniente a vulnerabilidade e desproteção do ego que acompanham o amor por outra pessoa.

Freud reflete sobre o papel da beleza em alcançar a felicidade: enquanto, sem dúvida, é uma fonte de prazer, a beleza não tem natureza ou origem discernível, mesmo que estudos filosóficos na estética tenham conseguido descrever as condições sob as quais ela é experimentada. Por seu lado, a psicanálise parece localizar a beleza na sensação sexual, uma vez que a beleza é muitas vezes um atributo do objeto sexual desejado.

É impossível chegar a um estado de felicidade plena. Nenhuma das estratégias acima irá funcionar completamente. “A felicidade é um problema da economia da libido do indivíduo”, afirma Freud. Cada indivíduo deve identificar o tipo de felicidade mais importante para ele, bem como a capacidade de sua própria constituição mental para experimentar a felicidade.

Adaptação ao ambiente externo também é a chave para um rendimento máximo de prazer. Religião reduz essas variáveis por ditar um caminho simples para a felicidade. Assim, poupa as massas de suas neuroses individuais, mas Freud vê pouca coisa de valor na religião além disso. Se o crente percebe que a religião coloca tal restrição sobre as possibilidades de sua felicidade, sua única opção torna-se a encontrar prazer na “submissão incondicional” a sua fé. Mas Freud observa que tal indivíduo autoconsciente poderia provavelmente encontrar outros caminhos, menos árduos, para a felicidade.

Análise dos capítulos 1-2 do livro O Mal-Estar na Civilização

Um aspecto intrigante do capítulo introdutório consiste na tentativa de Freud em comparar o empreendimento da psicanálise a – e, simultaneamente, diferenciando-as – outras disciplinas científicas aceitas.

As analogias com a ciência evolutiva e arqueologia, longe de serem digressões autoindulgentes, realmente iluminam a concepção de Freud sobre o indivíduo e a civilização. Primeiro de tudo, Freud se inscreve implicitamente nos preceitos da teoria de Darwin, e, portanto, acredita fundamentalmente na natureza progressiva da espécie humana, mesmo que ela esteja propensa a regressão periódica e espasmos de violência.

Para Freud, a evolução da civilização humana chegou a um impasse, porque conquistou a natureza cada vez com maior força tecnológica e mecânica, mas pelas condições que tem feito está paradoxalmente menos, e não mais, habitável para o indivíduo.

Freud também acredita na necessidade de se “adaptar” ao seu meio ambiente, um conceito derivado do quadro mais amplo da teoria darwiniana e aplicado a sua própria teoria do desenvolvimento psicológico. Simplificando, Freud sente que os seres humanos não são biologicamente preparados para as condições alteradas da vida civilizada, já que se desenvolveram para lidar com um ambiente primitivo, em vez de um ambiente civil.

A analogia de Freud à arqueologia ilustra sua experiência na literatura clássica e história, mas também mostra a primazia da civilização ocidental ao seu pensamento, já que Freud considera a Roma antiga como a origem histórica da cultura e da sociedade.

O “superego“, como Freud vai conjecturar ao fim de seu ensaio, é ao mesmo tempo individual e coletivo. Nós herdamos nossa noção de autoridade e padrões de grandeza dos líderes passados ou figuras de personalidade imponente, como os imperadores romanos Nero, Adriano, e Agripa a quem Freud faz referência em sua descrição da arquitetura romana. Ao mesmo tempo, Freud faz um aceno para a influência da cultura oriental na civilização ao discutir as “práticas de Yoga” e “a sabedoria mundana do Oriente” como métodos “peculiares” e “incomuns” de alcançar o autoconhecimento e controle sobre os impulsos do ego.

No capítulo dois, Freud expressa seu antagonismo à religião organizada em termos diretos e mal diplomáticos, chamando-a de delirante e infantil. Agressivamente secular em sua orientação, Freud leva a visão de Goethe que a ciência e a arte podem proporcionar – e até mesmo superar – os benefícios da religião. Freud encena sua própria crença na importância das artes através da inserção de citações generosas de poesia e outros insights de fontes literárias por toda parte.

De acordo com Freud, o propósito da vida humana não é a redenção em vida após a morte, mas a conquista da felicidade. Sua teoria confronta diretamente o princípio do prazer com a bíblica “a intenção do homem deve ser feliz”. Freud observa com ironia que isso “não está incluído no plano da Criação”.

É surpreendente a ênfase de Freud sobre o valor compensatório de beleza – A ideia de que esteticamente agradáveis “formas humanas e gestos, objetos naturais e paisagens, e criações artísticas, mesmo científicas” podem evitar sofrimento e proporcionar prazer temporário.

A conexão lógica entre a psicanálise e a beleza é, no final, bastante tênue e insuficientemente explorada. Freud integra nunca mais adequadamente o seu interesse na beleza ao regime mais amplo do princípio do prazer. Ao discutir o tema da beleza e estética, ele pega emprestado muito da teoria de Immanuel Kant, proeminente filósofo alemão do século XVIII cujo trabalho seminal, A Crítica do Julgamento, ou Crítica do Juízo (1790), continua a definir os termos do debate contemporâneo sobre a definição, valor e função da beleza. Kant acreditava, como Freud faz, que a beleza não é  inerente nas qualidades materiais do objeto, mas é uma função da receptividade do espectador a ela.


GUIA DE ESTUDO COMPLETO

1. Guia de estudo: O Mal-estar na Civilização de Sigmund Freud

2. O Mal-Estar na Civilização – Sigmund Freud | Resumo

3. Glossário: O Mal-Estar na Civilização – Sigmund Freud

4. Temas abordados no livro O Mal-Estar na Civilização de Sigmund Freud

5. O Mal-Estar na Civilização: Resumo dos Capítulos 1 e 2 + Análise

6. O Mal-Estar na Civilização: Resumo dos Capítulos 3 e 4

7. O Mal-Estar na Civilização: Resumo dos Capítulos 5 e 6 + Análise

8. O Mal-Estar na Civilização: Resumo dos Capítulos 7 e 8 (final) + Análise

9. 10 Perguntas e respostas dissertativas sobre O Mal-Estar na Civilização


Referências:

Christian, Adam. Miller, W.C. ed. “Civilization and Its Discontents Chapters 1-2 Summary and Analysis”. GradeSaver, 20 July 2008 Web. 7 October 2016.

Freud, S.(1930) Obras psicológicas completas da ed Standard Brasileira. O Mal-Estar na Civilização. Rio de Janeiro: Imago Editora

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