Capítulo 5
Freud observa que o antagonismo da civilização em relação à sexualidade surge a partir do trabalho e da necessidade de construir laços comunitários com base na amizade. Se a atividade da libido fosse autorizada a correr desenfreada, é provável que destruiria o relacionamento amoroso monogâmico do casal que a sociedade tem endossado como o mais estável.
Freud tem como próximo alvo o mandamento “Ama o teu próximo como a ti mesmo”, porque, ao contrário do ensino bíblico, ele tem uma visão pessimista do homem, cujo instinto primitivo Freud considera ser agressivo, não amoroso. O mandamento bíblico “ama ao próximo como a ti mesmo” vai contra a natureza original do homem, e a história é a prova: O homem provou mais de uma vez que vai explorar, abusar, humilhar, causar dor, torturar e matar outros homens, desde a invasão dos hunos à Primeira Guerra Mundial.
Civilização é continuamente ameaçada de desintegração por causa desta inclinação para a agressão, mas investe grande energia em restringir esses instintos. A lei tem tentado refinar-se ao ponto de regular a maioria das formas de agressão, mas ainda não consegue impedi-la.
Freud, em seguida, volta-se para o pensamento socialista. Comunistas afirmam encontrar o caminho para a libertação através da abolição da propriedade privada, assim, eliminando um sistema econômico que permite a determinados indivíduos acumular riqueza desproporcional e abusar de seus semelhantes.
Para Freud, o comunismo é baseado em uma suposição falsa, uma vez que não altera em nada a natureza humana, apenas uma das motivações por onde atua (ou seja, a ganância). A agressão é anterior à posse da propriedade. Ela também tem servido ao longo da história para ligar comunidades contra aqueles que estão fora delas. Os judeus na Idade Média eram, por exemplo, as vítimas de intolerância dos cristãos; e na Rússia, a difamação do burguês tem servido como um grito de guerra para o governo comunista.
Freud conclui que o homem civilizado trocou a possibilidade de felicidade pela segurança. Mas a sociedade primitiva não é para ser invejada, uma vez que, nesse contexto, apenas o chefe da família gozava de liberdade instintiva à custa de todos os outros.
Algumas dessas limitações da sociedade moderna são superáveis, enquanto outros são intrínsecas à civilização. Freud não especifica quais limitações à nossa liberdade instintiva caem em que categoria. A sociedade mais perigosa, segundo ele, é aquela em que o líder é exaltado e os indivíduos não adquirem um senso adequado de identidade. Freud aponta para a sociedade americana como um exemplo deste perigo, mas abstém-se de persistir em sua crítica.
Capítulo 6
Freud cita Schiller: “a fome e o amor são o que move o mundo.” À primeira vista, os dois parecem ser conduzidos por instintos opostos. Fome pode ser caracterizada como uma satisfação do ego-instinto ou das necessidades internas, enquanto que o amor é direcionado para objetos externos ao ego. “Libido” é outro termo para esse instinto.
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Freud se vê forçado a abandonar essa antítese quando ele considera o fenômeno do sadismo, que é tecnicamente um objeto-instinto, mas também ligado ao ego e um desejo de domínio. O conceito de narcisismo elaborado em escritos anteriores por Freud também apresenta uma complicação para esta simples oposição entre os instintos do ego e instintos de objeto, no esquema de Freud amor-próprio psicologicamente precede – e é uma condição necessária para – o amor voltado para os outros.
Em Além do Princípio do Prazer, Freud pela primeira vez elabora o conceito de pulsão de morte, oposto a Eros (o instinto de vida). A comunidade psicanalítica acha esta tese altamente duvidosa; no entanto, diz Freud, sua existência agora parece inegável.
Agressão é “uma disposição instintiva original, autossubsistente no homem” que “constitui o maior entrave para a civilização.” O objetivo da civilização é vincular os homens libidinalmente uns aos outros em comunidades; a pulsão de morte complica muito este processo. Para Freud, toda a evolução da civilização pode ser resumida como uma luta entre Eros e pulsão de morte.
Análise dos capítulos 5-6
Considerando que, no Capítulo 3 Freud comparou o homem a um “Deus protético” por causa de suas inovações tecnológicas, no capítulo 5 ele se concentra sobre o fenômeno oposto: a regressão do homem em um estado de barbárie e animismo. Com a expressão latina “Homo homini lupus” ( “O homem é o lobo do homem”), Freud metaforicamente ressalta o tom darwiniano de seu argumento sobre a civilização humana, vendo a evolução do homem no contexto da sua descendência de espécies “inferiores”.
A crítica de Freud ao comunismo a partir de uma perspectiva psicanalítica é um tour de force. Sem envolver o debate habitual sobre os méritos ou desvantagens econômicas de um governo estatal, ele aponta a falsa verdade por trás da abolição da propriedade privada, ou seja, a incapacidade de reformar a natureza humana de tal maneira a eliminar toda a motivação para a exploração associada com o capitalismo.
A linguagem da economia já entra na concepção de indivíduo de Freud em um grande grau. (Em sua discussão sobre o princípio do prazer, Freud refere-se regularmente a “economia da libido”). Considerando que um comunista pensa na economia em termos de distribuição de recursos, Freud considera a economia fundamental para a distribuição de energia libidinal. Pode-se abolir a desigualdade na esfera das finanças, mas não se pode prever ou alterar a economia libidinal fundamental, que inevitavelmente se inclina para o desejo erótico e destruição.
Curiosamente, Freud sugere que a inclinação para a agressão de forma tão destrutiva para a civilização também serviu para construir e reforçar um sentimento de nacionalismo entre os povos que então definem-se em oposição a outros povos “estrangeiros”. Essa percepção pode ser logicamente ligada de volta para a crítica freudiana estendida ao mandamento bíblico “Ama o teu próximo” no início deste capítulo, uma vez que aponta para o papel da agressão (assim como o amor mútuo) no processo de formação de identidade comunitária.
Freud começa com uma oposição entre instintos do ego e instintos de objeto. No curso de sua análise, põe em causa a validade dessa oposição ao notar que ambos os instintos fluem a partir do ego, ou mais especificamente, que os nossos impulsos em direção a objetos externos são em última análise uma função de nossos próprios desejos (ou seja, para o domínio, controle , prazer). Este tipo de auto-revisão comum nos escritos de Freud é um ato protótipo do pensamento desconstrutivista, que consiste em demonstrar como cada termo de uma oposição aparente contém a diferença do outro termo dentro dele. Por exemplo, Freud percebe que os desejos voltados para o lado de fora (chamados instintos de objetos) de fato, tem desejos vindos de dentro do sujeito. Da mesma forma, no capítulo seguinte, ele vai falar de um contraste entre o medo da autoridade (externo) e medo do superego (interno), apenas para revelar que o último flui do primeiro.
Freud também não se opõe ao reconhecimento da natureza errônea de seus próprios pressupostos clínicos anteriores. Um exemplo típico ocorre neste capítulo: “Lembro-me de minha própria atitude defensiva quando a ideia de um instinto de destruição surgiu pela primeira vez na literatura psicanalítica”. Este também é um tipo de autorrevisão, mas longe de sublinhar uma aparente abertura de espírito de Freud a novas ideias, ela também serve retoricamente para antecipar e superar antecipadamente a resistência do leitor ao conceito (neste caso, da pulsão de morte) que Freud está a apresentar. O estilo de argumentação de Freud é, por outras palavras, muito semelhante à estrutura psicanalítica ele está elaborando que já tem o conceito de resistência incorporada.
No Capítulo 6, o uso que Freud faz da literatura e poesia como evidência empírica dos instintos é particularmente impressionante. Freud parece integrar sua experiência clínica com alusões a Goethe e Schiller. Numa nota de rodapé, ele cita uma passagem do Fausto em que a descrição do mal coincide com o “instinto destrutivo” que Freud rotula de pulsão de morte em Além do Princípio do Prazer.
É interessante observar que aí há uma abertura à críticas, que pode dizer que Freud trata a literatura como uma fonte autorizada de conhecimento sobre a natureza humana, sem ver um conflito no seu estatuto epistemológico como ficção.
GUIA DE ESTUDO COMPLETO
1. Guia de estudo: O Mal-estar na Civilização de Sigmund Freud
2. O Mal-Estar na Civilização – Sigmund Freud | Resumo
3. Glossário: O Mal-Estar na Civilização – Sigmund Freud
4. Temas abordados no livro O Mal-Estar na Civilização de Sigmund Freud
5. O Mal-Estar na Civilização: Resumo dos Capítulos 1 e 2 + Análise
6. O Mal-Estar na Civilização: Resumo dos Capítulos 3 e 4
7. O Mal-Estar na Civilização: Resumo dos Capítulos 5 e 6 + Análise
8. O Mal-Estar na Civilização: Resumo dos Capítulos 7 e 8 (final) + Análise
9. 10 Perguntas e respostas dissertativas sobre O Mal-Estar na Civilização
Referências:
Christian, Adam. Miller, W.C. ed. “Civilization and Its Discontents Chapters 5-6 Summary and Analysis”. GradeSaver, 20 July 2008 Web. 8 October 2016.
Freud, S.(1930) Obras psicológicas completas da ed Standard Brasileira. O Mal-Estar na Civilização. Rio de Janeiro: Imago Editora