Retorno do Recalcado / Recalque na Psicanálise de Freud

Retorno do recalcado

O retorno do recalcado ou retorno do reprimido é o processo pelo qual elementos reprimidos, preservados no inconsciente, tendem a reaparecer, na consciência ou no comportamento, na forma de secundários e mais ou menos irreconhecíveis “derivados do inconsciente.Parapraxias (atos falhos) ou sintomas são exemplos desses derivados.

Um aviso importante a se fazer é que recalque aqui pode ser também entendido como repressão. O uso distinto das duas palavras tem relação com as traduções dos livros de Freud.

Alguns textos e vídeos que podem te ajudar a entender o Tio Freud:



Começando com A Interpretação dos Sonhos (1900a), Freud sempre enfatizou a natureza “indestrutível” do material inconsciente, como também o caráter irredutível de traços de memória. Se não temos memórias de eventos durante os primeiros anos de vida, isto é devido à repressão que os afeta. Num sentido, pode-se dizer que todas as memórias podem ser retidas, e o seu recolhimento depende unicamente da forma em que são catexizadas, decatexizadas, ou anticatexizadas.

Na trigésima primeira de suas Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise“, A dissecção da Personalidade Psíquica“, Freud postulou a inalterabilidade do recalcado, nos seguintes termos:… “Impressões, que têm sido afundadas no id pela repressão, são virtualmente imortais; após a passagem de décadas, elas se comportam como se tivessem acabado de acontecer “(1933a [1932], p 74).. Em Moisés e o monoteísmo, ele acrescentou: “O que é esquecido não se extingue, mas é apenas ‘reprimido’; seus traços de memória estão presentes em toda a sua frescura, mas isolados por ‘anticatexias’ …. eles são inconscientes – inacessíveis à consciência” (1939a [1934-1938], p. 94).

Assim, para Freud desejos reprimidos não são destruídos no inconsciente: em vez disso, eles estão sempre ressurgindo na forma do que são chamados genericamente de derivados do inconsciente, alguns dos quais “tornam-se conscientes como formações e sintomas substitutivos – em geral, é verdade , depois de terem sofrido grande distorção, quando comparados com o inconsciente, embora conservando frequentemente muitas características que exigem repressão “(1915e, p. 193). Tais derivados do inconsciente incluem não só os sintomas, mas também fantasias, lapsos de fala e atos falhos em geral, e até mesmo certos traços de caráter. Eles são expressões do inconsciente que se manifestam na consciência, sem que isso implique necessariamente que o que foi recalcado se torne consciente: Os conteúdos reprimidos retornam, mas muitas vezes continuam a ser irreconhecíveis. Esse retorno do recalcado é por excelência fonte do material com que o psicanalista trabalha, e ele pode referir-se tão facilmente à transferência como às associações produzidas na sessão analítica que estão ligados às ideias reprimidas.

Freud liga a “formação de sintomas” ( Symptombildung ) com o retorno do reprimido: “não é a própria repressão que produz formações e sintomas substitutivos, mas estes últimos são indicações de um retorno do reprimido” (1915d, p 154) . Em termos gerais, a formação de sintomas engloba não apenas o retorno do reprimido por meio de “formações substitutivas” ou “formação de compromisso”, mas também “formações reativas” criadas como baluartes contra desejos reprimidos.

O retorno do recalcado foi considerado por Freud como um mecanismo “específico” (Freud a Ferenczi, 06 de dezembro de 1910), uma visão que ele reiterou em seu artigo sobre “recalque”, onde ele é retratado como uma terceira fase distinta no processo global de recalcamento, na sequência de “recalque primário” e “recalque secundário” ou “recalque propriamente dito” ou “pós-repressão” (1915d, p. 148).

Em uma seção de Moisés e o Monoteísmo, ao lidar com o retorno do recalcado, Freud evoca a re-emergência das “impressões” de primeira infância e as exigências instintivas que podem irromper na vida do sujeito, orientando suas ações e submetendo-o restringindo impulsos. O instinto “renova sua demanda, e, uma vez que o caminho para a satisfação normal, permanece fechado a ele pelo que podemos chamar a cicatriz da repressão, em algum lugar, em um ponto fraco, ele abre outro caminho para si mesmo ao que é conhecido como uma satisfação substitutiva, o que vem à luz como um sintoma, sem a aquiescência do ego …. Todos os fenômenos de formação de sintomas podem ser justamente descritos como o “retorno do recalcado”. A sua característica distintiva, no entanto, é a distorção de longo alcance a qual o material foi submetido retornando em comparação com o original “(1939a, p. 127).

O recalcado mantém assim o seu impulso inicial, o seu desejo de penetrar a consciência. Pode alcançar este objetivo, de acordo com Freud, sob três condições: “(1) se a força da anticatexia é diminuída por processos patológicos que tomam conta da outra parte [da mente] que chamamos de ego, ou por uma distribuição diferente das energias catexiais nesse ego, como acontece normalmente no estado de sono; (2) se os elementos instintuais que se ligam ao reprimido recebem um reforço especial (do qual o melhor exemplo são os processos que ocorrem durante a puberdade); e (3) se, em qualquer ocasião na experiência recente, ocorrem impressões ou vivências que se assemelham tão estreitamente ao reprimido, que são capazes de despertá-lo. No último caso, a experiência recente é reforçada pela energia latente do reprimido e este entra em funcionamento por trás da experiência recente e com a ajuda dela”. Freud acrescenta que “Em nenhuma dessas três alternativas, o que até então foi reprimido ingressa na consciência de modo suave ou inalterado; tem sempre de defrontar-se com deformações que dão testemunho da influência da resistência (não inteiramente superada) que surge da anticatexia, da influência modificadora da experiência recente, ou de ambas.”(1939a, p. 95).


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Referências

Freud, Sigmund. (1900a). A Interpretação dos Sonhos. SE, 4-5.

Freud, Sigmund. (1915d). A Repressão. SE, 14: 141-158.

Freud, Sigmund. (1915e). O Inconsciente. SE, 14: 159-204.

Freud, Sigmund. (1933a [1932]). Novas conferências introdutórias sobre psicanálise. SE, 22: 1-182.

Freud, Sigmund. (1939a [1934-38]). Moisés e o Monoteísmo. SE, 23: 1-137.

Freud, Sigmund, and Ferenczi, Sándor. (1993-2000). The correspondence of Sigmund Freud and Sándor Ferenczi (Volume 1: 1908-14; Eva Brabant, Ernst Falzeder, and Patrizia Giampieri-Deutsch, Eds.; Peter T. Hoffer, Trans.). Cambridge, MA: Belknap Press of Harvard University Press.

Le Guen, Claude. (1992). Le Refoulement. Paris: Presses Universitaires de France.

Le Guen, Claude, et al. (1986). Le refoulement (les défenses). Revue française de psychanalyse, 50,1.


Por Jean-FranÇois Rabain para a Encyclopedia.com

 

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