O Sofrimento Neurótico

Por Marcos Torati – Psicanalista

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Posto de maneira concisa, pode-se dizer que o objetivo da psiquiatria é alivio do sofrimento humano. Já para a psicanálise, o contrário, isto é: embora sua origem provenha das ciências médicas, sua função ética pauta-se no implicar (não explicar) do paciente neurótico frente à responsabilidade pelo seu sofrimento. Não á toa, o renomado médico alemão Viktor Von Weizsäcker afirmara que o doente enquanto sofredor estará inexoravelmente acima de qualquer médico que pretenda curá-lo. Mas, por qual motivo?

Muito embora haja quem adoeça corporalmente para comprovar a veracidade de suas lamúrias, nem todo sintoma humano é sinônimo de patologia ou carece de medicamento. Na visão do psicanalista de D.Winnicott, “saúde” não significa ausência de doença ou sofrimentos. Aliás, é possível sofrer sem estar doente e estar doente sem sofrer, porém, às vezes, não permitir-se sofrer pode ser um sinal de doença. A condição de existir e se fazer vivo são tarefas árduas em si mesmas, portanto, se frustrar, entristecer, deprimir e, também, desenvolver recursos para estar-no-mundo faz parte do amadurecimento.

Enfim, existir demanda! Logo, a queixa neurótica é, no fundo, a guardiã dos esforços. Uma forma desgastante de fazer economias energéticas a fim de evitar as fadigas da vida, o encontro com o inesperado ou, com aquilo que fugirá da segurança de suas fantasias infantis. Assim, seu mal-estar se faz uma “desconfortável zona de conforto”, problema e solução. Portanto, o sintoma neurótico não é a causa do sofrimento, mas a consequência dele, o fenômeno que denuncia sua recusa da realidade externa tal como é. Ao rechaçar seus aspectos indesejados, salvaguarda seu narciso, sua velha e sabida forma de ser e de se fazer. Assim, à priori, ele permanece, fica inerte, procrastina, tende a queixar-se dos outros e do mundo, aguardando deles a mudança. Poupa esforços e se faz infeliz para conservar sua crença mítica de uma suposta “situação ótima” para agir. Porém, enquanto espera, sofre no tempo com a vida que não quer por medo de apostar na real vida que se deseja.

1898
FREUD
“A felicidade é a realização de um desejo pré-histórico da infância”

A psicanálise desvendou que a queixa manifesta não necessariamente é a causa efetiva do problema do paciente, o real motivo do seu sofrimento, mas a consequência do sustentar de um gozo inconsciente. Para este, é preferível sustentar um sofrimento do que mudar, abdicar ou modular as satisfações de suas fantasias infantis (ainda desconhecidas). Para Freud, por trás de um sintoma repetido, há sempre um vicioso prazer escondido, “uma certa maneira de gozar”, como diria Lacan. Em síntese, o trabalho analítico não presta-se à tratar da queixa consciente (a manifestada pelo analisando). Ela atua na investigação do conteúdo latente, do não dito, do oculto, nas vias por onde o sujeito do “diz curso” não cursa. Portanto, a queixa falada é uma tentativa (mal sucedida) de calar o admitir das responsabilidades inerentes daquilo que no sujeito “clama”, portanto, se não age, sua “alma” “reclama”, não perdoa covardias.

Ai dos ouvidos das manicures, dos cabeleireiros, dos caixas de banco, os públicos alvos prediletos dos que gozam de desabafar sem o compromisso de mudar. Fazem uso dessas pessoas como latrinas públicas de seu mundo privado, atrevendo-se com eles a lançar gratuitamente seus dejetos internos na esperança de receber pérolas de volta. Talvez, seja necessária certa dose de coragem, quando não de desespero, para encarar a si numa análise. Ali, de fato, o indivíduo tem algo a dar e a perder, pode deparar-se com as implicações éticas daquilo que cala e fala, oportunidade para integrar seu discurso no corpo, como uma unidade, fazer da fala o ato e do ato a fala. Do contrário, para tais sofrimentos, sempre haverão justificativas, culpados e desculpas. Mas, e ao retirar de si as culpas? Se for bem sucedido em convencer a si e a todos de que não é o autor responsável pelos próprios incômodos? Quem viverá Insatisfeito no final?

1982
ERIKSON
“O fato da consciência humana permanecer parcialmente infantil por toda a vida é o âmago da tragédia humana”.

DIGNO DO SEU TORMENTO
Por fim, não se admire ao ver alguém queixar-se por: ainda “namorar aquele mesmo canalha”; “não conseguir acordar cedo de manhã para ir ao parque”; permanecer casado(a) só “por conta dos filhos”; ter engordado em função “das ceias de fim de ano”; inscrever-se na academia e “ter preguiça de ir”; procrastinar o estudo porque não “bateu ainda aquela motivação”; surgir dores de cabeça “bem no dia da apresentação da faculdade”; estar por anos no mesmo emprego por causa da “situação difícil do país” (e um dia já foi fácil?); não trazer o dinheiro da terapia porque “não teve tempo para passar no banco”; odiar a corrupção no governo, mas não se “interessar por política… A esses e outros, citar um mal-estar a mais talvez lhes caia muito bem, o de Dostoiévski: “temo somente uma coisa; não ser digno do meu tormento” (qualquer semelhança não é mera coincidência).


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