Prazer e sofrimento nas relações de trabalho: Um olhar psicanalítico

Autor: MOREIRA, Francisco Jadson Franco

Resumo

A Psicanálise é um método de pesquisa das neuroses, especificamente um método de tratamento, mas com seu desenvolvimento houve uma extensão para outros campos. Para Celes e Bucher (1984), a marca em Freud é a dúvida do que está lá, além da consciência, além do manifesto. Essa dúvida tem de estar na base das pesquisas que utilizam os referenciais psicanalíticos. O trabalho foi pautado na realização de uma pesquisa de revisão bibliográfica, esta como elemento chave para o desenvolvimento de uma pesquisa de caráter científico. Segundo Lakatos e Marconi (2010), é uma ferramenta indispensável para a delimitação do problema em um projeto de pesquisa e para obter uma ideia precisa sobre o estado atual dos conhecimentos sobre o tema, sobretudo suas lacunas e sobre a contribuição da investigação para o desenvolvimento do conhecimento. Com o desenvolvimento industrial e a acentuada divisão entre concepção e execução do trabalho, a aplicação direta dos princípios tayloristas trouxe graves prejuízos à saúde física e mental dos trabalhadores, em consequência das prolongadas jornadas de trabalho, do ritmo acelerado da produção, da fadiga física e, sobretudo, da automação e da não participação do trabalhador no processo produtivo, o que configura o parcelamento das tarefas (MENDES, 1995). O prazer no sentido psíquico é a condição de equilíbrio e adaptação do indivíduo em situações adversas, sem, no entanto, padecer da instabilidade psicológica. É a capacidade do funcionamento pessoal em sua totalidade. Na liberdade, expressa realizar o que almeja enquanto indivíduo e desenvolver relações satisfatórias com os outros e com a sociedade (TOLEDO; GUERRA, 2009). Esta pesquisa foi extremamente significante enquanto pesquisador, pois foi possível refletir a importância da produção acadêmica para o tema em debate ao tempo que perceber como as contribuições da psicanalise nesse ambiente organizacional são imprescindíveis como em qualquer outra área de atuação, evidenciado a importância de profissionais atentos ao compreender o ser sujeito.

Palavras Chave: Psicanálise; Prazer; Sofrimento; Trabalho.


 


  1. Introdução

Quando se fala em Psicanálise não se pode esquecer sua história, as influências que a determinaram e as circunstâncias nas quais foi criada. Para Freud (1913/1996; 1914/ 1996), a Psicanálise é um método de pesquisa das neuroses, especificamente um método de tratamento, mas com seu desenvolvimento houve uma extensão para outros campos. A descoberta da sexualidade infantil abre uma perspectiva para a Psicanálise ser um PRAZER E SOFRIMENTO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: Um olhar psicanalítico. MOREIRA, Francisco Jadson Franco!¹ ¹E-mail: jadsonpsic@hotmail.com modo de encarar os processos psíquicos que podem ser medidos pelo valor do seu efeito sobre elementos afetivos, sendo essa a especificidade para a mudança de foco da visão da vida psíquica.

Para Celes e Bucher 1984 apud MENDES 2002, a marca em Freud é a dúvida do que está lá, além da consciência, além do manifesto. Essa dúvida tem de estar na base das pesquisas que utilizam os referenciais psicanalíticos. O que está por trás dos comportamentos? Essa é a pergunta. É necessário primeiro investigar o próprio comportamento manifesto, pois ele constitui um caminho para ser desvelado o comportamento latente.

Assim sendo, usar o referencial psicanalítico nas pesquisas sobre organizações significa tomar seus conceitos de empréstimo para entender um objeto: a relação simbólica indivíduotrabalho-organização e a dinâmica em que esse objeto está inserido. Para tanto, buscase a objetividade necessária à ciência, o que não significa a desconsideração da dúvida como lugar do inconsciente e a construção subjetiva do conhecimento a partir da interpretação do empírico.

A Escola de Psicologia do Trabalho teve sua edificação a partir das pesquisas e ideias do médico francês Christophe Dejours, especialista em medicina do trabalho, psiquiatra e psicanalista. Ele conduziu seus estudos com base em dinâmicas e situações diversas de trabalho, que ora levavam os indivíduos ao prazer, ora ao sofrimento, descrevendo o modo como eles podiam seguir diferentes desdobramentos, inclusive os que culminavam em patologia mental ou psicossomática (SILVA, 1994 apud RODRIGUES, 2015).

Na década de 1970, Christophe Dejours já havia publicado numerosos estudos psicossomáticos relacionados à saúde e ao trabalho. A produção intelectual deste autor ampliou o olhar inovador e integrador quanto ao novo campo escolhido. A Psicopatologia do Trabalho se apresenta na literatura como uma descrição da relação e da interface do homem com a organização; ou seja, a rigidez, o sistema de imposições e as restrições impostas por esta e, de outro lado, o funcionamento psíquico, caracterizado pela liberdade de imaginação e de expressão dos desejos inconscientes do trabalhador (MENDES, 1995).

No ano de 1987 foi publicado no Brasil o livro com o título Loucura do Trabalho: Estudo de Psicopatologia do Trabalho, do autor Christophe Dejours, obra que versa sobre a clínica do trabalho, mas precisamente, o conflito entre a organização do trabalho e o funcionamento psíquico (LANCMAN; SZNELWAR, 2004).

Os trabalhadores não demonstravam passividade diante das pressões organizacionais, sendo estes capazes de se protegerem dos efeitos devastadores a sua saúde mental. Esse trabalho clínico levou Dejours a estender seus estudos a outras perspectivas, antes focados nas doenças mentais geradas pelo trabalho, agora transferidos para o sofrimento e as defesas contra esse sofrimento. Por isso, este campo de estudo passou a ser chamado de “Psicodinâmica do Trabalho” (LANCMAN; SZNELWAR, 2004), que, para Mendes e Ferreira (2007), desenvolve uma análise sociopsíquica do trabalho, tendo como ponto de partida a organização deste para, então, compreender as vivências subjetivas de prazer, sofrimento, processo saúdeadoecimento e mecanismos de defesa e de mediação do sofrimento.

Nesse contexto, esse estudo buscou compreender, a partir de uma revisão bibliográfica, as relações entre prazer e sofrimento que perpassam as situações diversas de trabalho, que ora levam os indivíduos ao prazer, ora ao sofrimento, refletindo intervenções a partir de uma análise psicanalítica.

  1. Metodologia

O trabalho foi pautado na realização de uma pesquisa de revisão bibliográfica, esta como elemento chave para o desenvolvimento de uma pesquisa de caráter científico. Segundo Lakatos e Marconi (2010), é uma ferramenta indispensável para a delimitação do problema em um projeto de pesquisa e para obter uma ideia precisa sobre o estado atual dos conhecimentos sobre o tema, sobretudo suas lacunas e sobre a contribuição da investigação para o desenvolvimento do conhecimento.

Entretanto, ao realizar uma pesquisa bibliográfica, é fundamental que o pesquisador faça um levantamento dos temas e tipos de abordagem já trabalhados por outros estudiosos, associando os conceitos e aprofundando os aspectos já publicados. Nesse sentido, é imprescindível levantar e selecionar conhecimentos já catalogados em bibliotecas, editoras, Internet, videotecas etc. (Barros & Lehfeld, 2007). Assim, essa metodologia de pesquisa poderá atender os objetivos do pesquisador em sua trajetória acadêmica, como pode despertar o construto de pesquisas inéditas dos que pretendem revisar, reanalisar, interpretar os dados coletados e criticar as construções teóricas, paradigmas ou mesmo elaborar novas teorias diante de diversas áreas do conhecimento (BARROS E LEHFELD, 2007).

Para melhor desenvolvimento desta pesquisa, se fez necessário pontuar alguns procedimentos importantes no processo de levantamento de dados coletadas e compilação destes ao realizar uma revisão bibliográfica.

Ao selecionar as fontes de referências e fazer um levantamento geral sobre o tema abordado elencando os itens principais, é possível organizar os conteúdos e traçar um roteiro para estruturar a revisão bibliográfica, diante dos pontos relevantes para desenvolver o texto de seu resumo até a conclusão, para não perder o foco daquilo que está sendo estudado.

  1. Resultados e Discussão

3.1. Psicodinâmica do trabalho

Com o desenvolvimento industrial e a acentuada divisão entre concepção e execução do trabalho, a aplicação direta dos princípios tayloristas trouxe graves prejuízos à saúde física e mental dos trabalhadores, em consequência das prolongadas jornadas de trabalho, do ritmo acelerado da produção, da fadiga física e, sobretudo, da automação e da não participação do trabalhador no processo produtivo, o que configura o parcelamento das tarefas (MENDES, 1995 apud RODRIGUES, 2015).

A psicodinâmica do trabalho tratase de uma abordagem científica desenvolvida na França, em que Christophe Dejours vinha pesquisando há mais de trinta anos a vida psíquica no trabalho, tendo como foco principal o sofrimento psíquico e as estratégias de defesa elaboradas pelos trabalhadores para a transformação e superação do trabalho em fonte de prazer (DEJOURS, 2004).

Os pressupostos compartilhados pela abordagem da psicodinâmica do trabalho resumem-se em quatro pontos: interesse pela ação do trabalho; entendimento do trabalho; defesa de uma teoria do sujeito; e preocupação com o sujeito e o coletivo em situações de vulnerabilidade no trabalho (BENDASSOLI; SOBOLL, 2011).

O trabalho não é constituído somente da atividade laboral, englobando também várias outras dimensões, como a cultural e a social: trabalhar é viver junto (BUENO; MACEDO, 2012). Martinez e Paraguay (2003) consideram que o trabalho auxilia na construção da identidade e da subjetividade do trabalhador.

A psicodinâmica do trabalho, portanto, possibilita a compreensão contemporânea sobre a subjetividade do trabalho e o modo como o indivíduo se posiciona na interação social exigida na organização (ROIK; PILATTI, 2009 apud RODRIGUES, 2015). Essa abordagem trouxe novo olhar às ciências do trabalho, ao propor a criação de espaços de discussão em que o trabalhador pode expressar sua voz, seus sentimentos e as contradições do contexto do trabalho que respondem pela maioria das causas geradoras de prazer e sofrimento (DEJOURS, 1992), além de ser um novo método, que passa por aprimoramento para consolidar respostas mais precisas sobre a saúde mental e o trabalho (MERLO, 2002).

3.2. Prazer no trabalho: para além do ser

O prazer no sentido psíquico é a condição de equilíbrio e adaptação do indivíduo em situações adversas, sem, no entanto, padecer da instabilidade psicológica. É a capacidade do funcionamento pessoal em sua totalidade. Na liberdade, expressa realizar o que almeja enquanto indivíduo e desenvolver relações satisfatórias com os outros e com a sociedade (TOLEDO; GUERRA, 2009).

Pode-se afirmar, então que o prazer está relacionado à conquista pessoal, sendo este um dos objetivos almejados no trabalho, o qual, quando vivenciado, o sujeito se certifica de que a atividade desenvolvida por ele é relevante para a sociedade e a organização (HERNANDES; MACEDO, 2008).

O trabalho tem importante função na construção da identidade do sujeito, pois permite ao trabalhador o envolvimento de vários sujeitos, cada qual com sua realidade, o que, do ponto de vista social, permite a elaboração de relações sociais. Por este motivo, as influências vivenciadas neste âmbito podem ter efeitos positivos ou negativos dependendo da colocação entre o sujeito e a atividade. Assim, o contexto em que trabalho é desenvolvido possibilita ao sujeito avaliar a atividade como significativa ou não e o sentido que ela representa para si, emergindo a partir destas vivências de prazer ou sofrimento (FERREIRA; MENDES, 2001).

Dejours (1993) aborda que o trabalho não é realizado apenas para a sobrevivência financeira, mas é um meio de o indivíduo se envolver socialmente, sendo os aspectos psíquicos e físicos interligados. De um lado, o fator de sofrimento expõe o indivíduo ao risco de adoecimento; de outro, o sentido do prazer gera equilíbrio e permite que as pessoas desenvolvam-se. As vivências de prazer estão relacionadas com as condições físicas do indivíduo e o propósito de efetuar suas atividades.

As vivências de prazer e sofrimento para Mendes e Tamayo (2001 apud RODRIGUES, 2015) são formalizadas em um único construto, interposto por três fatores: valorização, reconhecimento e sofrimento. A valorização é caracterizada quando o indivíduo percebe que seu trabalho tem sentido e valor por si mesmo, sendo importante para a organização e para a sociedade. Já o reconhecimento é constatado quando o indivíduo é aceito e admirado no trabalho, tem liberdade para expressar sua individualidade e realiza de maneira compatível as atividades prescritas e reais, além de haver a flexibilidade da organização para permitir que o sujeito se ajuste a situações adversas, o que possibilita vivências de prazer (FERREIRA; MENDES, 2001). Já o sofrimento é percebido quando ocorre o desgaste no trabalho, refletindo em cansaço, desânimo e descontentamento do sujeito.

As ocorrências de prazer podem também ser vivenciadas quando o sujeito tem a oportunidade de exercitar sua criatividade e a expressão pessoal, o que gera nele orgulho e admiração, aliados ao reconhecimento de chefias e colegas (MENDES; ABRAHÃO, 1996).

A valorização e o reconhecimento do trabalhador permitem que ele sinta-se gratificado ao perceber que atividades desenvolvidas por ele são importantes para a organização e a sociedade. Ainda, quando o indivíduo tem a oportunidade de expressar em seu trabalho características pessoais associadas à admiração e ao orgulho pelo que faz, paralelamente ao reconhecimento, isso indica que o prazer é experimentado pelo trabalhador, implicando a realização de uma tarefa significativa e importante. O prazer vivenciado na ótica da valorização e do reconhecimento é também definido por Ferreira e Mendes (2001) em duas vertentes significativas: a valorização como a conscientização do sentido e o valor que o trabalho em si possui; e o reconhecimento como identificação pelo indivíduo da aceitação e da admiração no trabalho diante da liberdade de expressão, fomentando a individualidade do trabalhador.

As vivências de prazer podem ser experimentadas, conforme propõem Hernandes e Macedo (2008), pela oportunidade de inserção no mercado de trabalho. Quando o indivíduo não está excluído deste meio, tem a oportunidade de ser reconhecido pelos outros e, na sociedade, construir sua identidade social. Na psicodinâmica do trabalho, o prazer pode ser vivenciado, mesmo em condições precárias, quando a organização do trabalho permitir que o trabalhador desenvolva ações de mobilização da inteligência prática, do espaço público da fala e da cooperação (MENDES; FERREIRA, 2007).

A organização, como afirma Lacaz (2000), quando se ocupa da saúde do trabalhador e previne a ocorrência de adoecimento, proporciona-lhe qualidade de vida e empenha-se em melhorar sua função. Então, o trabalho pode ser origem de fontes de prazer (CAVALCANTE, 2009), pois o aprendizado também proporciona interação em grupo e produz no sujeito o sentimento de capacidade quando há um novo aprendizado (MARDEGAN; GODOY, 2009).

A motivação e a satisfação são outros sentimentos relevantes na vivência de prazer no contexto das organizações, haja vista ser possível ao indivíduo sentirse seguro na realização das atividades e, consequentemente, aumentar a produtividade, o que será benéfico para a organização e para ele (BONFIM; STEFANO; ANDRADE, 2010).

Muitos são os fatores que proporcionam as vivências de prazer no trabalho. No entanto, o que determina é o desdobramento que o indivíduo assume diante as interações dinâmicas entre a organização e o sentido subjetivo que este possui para consolidar a vida profissional no contexto em que está inserido (MENDES; FERREIRA, 2007).

3.3. Sofrimento no trabalho: para além do fazer

O termo trabalho, em sua origem, vem do latim tripaliu, que, em sua essência, significa “tortura”. Até a Idade Média, o trabalho era destinado aos escravos e pobres. Após o século XIV a Revolução Industrial ampliou sua conotação em amplos sentidos. Nos tempos atuais, possui significados diversos em relação às tendências de mercado, no Brasil e no mundo. Neste contexto, pode ser percebido sob a ótica negativa, associado a sofrimento e a ausência de liberdade (LOURENÇO; FERREIRA; BRITO, 2009).

Para Freud (1974), o sofrimento é o estado de expectativa diante do perigo e da preparação para este, ainda que seja um perigo desconhecido (angústia) ou medo, quando é conhecido; ou susto quando um sujeito encontra um perigo sem estar preparado para enfrentá-lo. O sofrimento pode ser também uma reação do indivíduo diante de uma manifestação de insistência de um ambiente não favorável.

O sofrimento é definido a partir do fator desgaste, que é a sensação de cansaço, desânimo e descontentamento em relação ao trabalho. Verifica-se, então, que a discrepância entre tarefa prescrita e atividade real, enquanto desencadeadora de um custo psíquico para o trabalhador, traz consequências para a organização do trabalho em termos da natureza da tarefa em si e das relações socioprofissionais, quando o sujeito se coloca em estado de esforço permanente para dar conta da realidade, muitas vezes, incompatível com seus investimentos psicológicos e seus limites pessoais, gerando sofrimento (FERREIRA; MENDES, 2001).

Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) vão além das exposições conhecidas pela legislação trabalhista brasileira e de outros países ao revelar que o desgaste no trabalho não deveria ser reduzido somente a pressões físicas, químicas, biológicas ou, mesmo, psicossensoriais e cognitivas do posto de trabalho, habitualmente estudados. Para eles, é fundamental considerar no trabalho a dimensão organizacional, focada na divisão de tarefas e nas relações de produção, contrapondo-se à concepção tradicional da ergonomia, baseada na análise das condições de trabalho.

O sofrimento vivenciado pelo trabalhador, segundo Dejours (1992), em relação as suas atividades advém das formas como as organizações de trabalho exigem e enrijecem o cumprimento das normas, pautadas na divisão, no conteúdo da tarefa, na hierarquia, na modalidade de comando, nas relações de poder e nas questões de responsabilidade.

O trabalho, segundo Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994), é composto por elementos capazes de influenciar a formação da autoimagem do trabalhador, que, muitas vezes, origina o sofrimento por meio das vivências de medo e tédio, podendo emergir sintomas como ansiedade e insatisfação. O sofrimento, além de ter origem na mecanização e robotização das tarefas, nas pressões e imposições da organização do trabalho e na adaptação à cultura ou à ideologia organizacional, apresenta-se nas pressões de mercado e nas relações com os clientes e com o público. E, também, é causado pela criação das incompetências, significando que o trabalhador se sente incapaz de fazer face às situações convencionais, inabituais ou erradas, quando acontece a retenção da informação que destrói a cooperação.

Vivências de sofrimento, de acordo com Ferreira e Mendes (2001), surgem a partir da associação da divisão e padronização de tarefas com a subutilização do potencial técnico e da criatividade, da rigidez hierárquica, com excesso de procedimentos burocráticos, das ingerências políticas, da centralização de informação, da falta de participação nas decisões, do não reconhecimento e da pouca perspectiva de crescimento profissional.

Dentre os aspectos abordados sobre o sofrimento no trabalho, o da relação de trabalho tem suas inferências e é classificado por Siqueira (1991) em categorias: macrossociais, organizacionais e microssociais. A categoria microssocial é composta por: organização do trabalho, gestão da força de trabalho, condições de trabalho e formas de regulação de conflitos. Para a autora, a definição de organização do trabalho considera as maneiras de dividir e de sistematizar as tarefas e o tempo em grupos de trabalhadores, as especialidades decorrentes e as qualificações exigidas, as sequências, os ritmos e cadências, a padronização e a autonomia, a participação do trabalhador na programação e o locus de realização das tarefas. As condições de trabalho implicam não somente as condições ambientais e os riscos específicos envolvidos no trabalho dos grupos analisados, mas também a introdução da subjetividade do empregado, refletindo a representação de seu modo específico de trabalhar/desgastar-se, incluindo a saúde mental e o estresse (SIQUEIRA, 1991).

Várias são as condições que podem levar o indivíduo ao sofrimento no trabalho, a exemplo da ocorrência de situações constrangedoras, podendo ser compreendido como constrangimento palavras ou comportamentos que, por sua repetitividade, agridem a parte psíquica ou física do indivíduo, promovem intimidação na realização das atividades e, consequentemente, deterioram o clima de trabalho. Tal situação pode ocorrer entre a chefia e os colegas de trabalho (SILVA, 2005).

Outra condição que predispõe à vivência de sofrimento é o esforço físico pesado, que conduz o trabalhador ao sofrimento, podendo gerar danos físicos e cognitivos ao indivíduo e, como consequência emergir a fadiga, que reduzirá o ritmo de trabalho, a atenção e a rapidez de raciocínio, tornando-o menos produtivo e mais sujeito a erros e acidentes (SILVA, 1999).

A sobrecarga de trabalho exigida pela organização extrapola as condições do trabalhador e o distancia de seus objetivos pessoais que assume em relação às metas da organização, as quais são cada vez mais elevadas, sendo este um fator que proporciona sofrimento e dificulta a mediação e, consequentemente, aumenta o risco de doenças (MENDES; FERREIRA, 2007).

Quando abordados sobre as vivências de sofrimento, Mendes e Tampão (2001) afirmam que o sofrimento pode ser vivenciado e expresso em forma de desgaste em relação ao trabalho. Ele pode ser percebido pela sensação de cansaço, desânimo e descontentamento com o trabalho. Para Ferreira e Mendes (2001), as vivências de sofrimento estão associadas a questões como tarefa, condições técnicas, hierarquia, burocracias, concentração de informações, não reconhecimento e falta de perspectiva de ascensão profissional.

Cada indivíduo, no entanto, manifesta o sofrimento de uma forma diferenciada, conforme afirmam Brant e Minayo-Gomez (2004), em função da influência da família, da cultura e de outras questões. Tudo isso faz com que cada indivíduo reaja ao sofrimento de forma diferente quando submetido às mesmas condições ambientais adversas. O que é vivenciado como sofrimento por alguém pode ser vivenciado como prazer para outro, e vice-versa. Um acontecimento em determinado momento pode significar sofrimento, mas em outro, satisfação. Portanto, o prazer e a dor podem ser entendidos como uma mesclagem do sofrimento.

O indivíduo, portanto, não fica imparcial diante do sofrimento. Mendes e Ferreira (2007) afirmam que algumas estratégias são desenvolvidas para mediar o sofrimento, como racionalização, passividade e individualismo. São estratégias que ajudam o indivíduo a lidar com sentimentos de frustração e sofrimento, percebendo a racionalização como uma forma de justificar e explicar os motivos que causam o sofrimento. Enquanto o individualismo surge como uma reação diante da impotência na busca da naturalização de problemas que originam o sofrimento, a passividade surge como estratégia contra um aborrecimento ou, mesmo, diante de ameaças à estabilidade da empresa.

3.4. Entre o ser e o fazer: Estratégias de defesa

Em meados do século XX, houve a tentativa de elaborar uma clínica de afecções mentais cuja origem tenham sido o trabalho. No entanto, as investigações daquela época ainda seguiam fortemente as características do “modelo teórico causal”, que reforçam as “evidências entre as doenças mentais e trabalho”, de cunho patogênico ancorado ao modelo biológico (BRANT; MINAYO-GOMEZ, 2004, p. 218). Diante do fracasso em demonstrar esta correlação, os estudos dejourianos deram foco nas estratégias produzidas pelos trabalhadores para enfrentar as adversidades vivenciadas no trabalho para evitar o sofrimento e a evolução de doenças.

Neste período, Dejours (1992) defendia que o sofrimento é uma vivência subjetiva que intermedia a “doença mental e o conforto”. Nesta ótica, o sofrimento implica uma disputa do sujeito com as forças do trabalho, que o conduz à doença mental (BRANT; MINAYO-GOMEZ, 2004, p. 219). A partir disso Dejours (1992) passou a realçar a escuta dos trabalhadores para compreender o sentido do sofrimento e as dimensões da relação do sujeito no processo saúde-trabalho. Constatou que os trabalhadores tentam dominar a doença de alguma forma. Dejours (1992) implementou a ideia das estratégias defensivas como uma elaboração social cujo intuito é o de promover o domínio e a diluição da vivência de sofrimento e a manutenção do estado saudável.

O sofrimento é uma vivência intensa e duradoura, na maioria das vezes, inconsciente de experiências dolorosas, como angústia, medo e insegurança, oriundas do conflito entre as necessidades de gratificação do indivíduo e a restrição no ambiente de trabalho. As vivências de sofrimento se originam de situações adversas provenientes das dimensões da organização, das condições e das relações de trabalho que estruturam o contexto de produção de bens e serviços. Elas constituem indicadores de mal-estar no trabalho e se manifestam por meio de sintomas de ansiedade, insatisfação, indignidade, inutilidade, desvalorização e desgaste (FERREIRA; MENDES, 2007).

Diante das dificuldades e das inúmeras exposições vivenciadas pelo trabalhador em seu contexto de trabalho e na organização, Mendes e Ferreira (2007) afirmam que o indivíduo elabora estratégias para a mediação do sofrimento de forma sutil, engenhosa, diversificada e criativa, para resistir às condições adversas no trabalho e, consequentemente, minimizar o sofrimento e evitar o adoecimento. BRANT & MINAYO-GÓMEZ (2004) afirmam que, de acordo com a teoria dejouriana, o adoecimento pode ocorrer quando há contenção da energia pulsional gerada por uma circunstância de trabalho que bloqueia a adequada descarga psíquica e quando há o enfraquecimento das estratégias coletivas dos trabalhadores.

As estratégias de defesa podem ter duas vertentes de mobilização, uma de cunho coletivo e outra de cunho individual. A mobilização coletiva destaca-se pela disposição da coletividade dos trabalhadores de modificar o contexto de produção e, consequentemente, minimizar o custo humano. Tem como objeto mais importante as vivências de prazer por meio da elaboração de um espaço público para a exposição de suas ideias, com base em uma relação de cooperação e confiança mútua no ambiente de trabalho. Já as estratégias individuais de defesa objetivam minimizar o custo humano e as vivências de sofrimento com o signo da negação e da dominação excessiva, que “protegem o ego, mas conduz a alienação quando utilizados excessivamente” (MENDES; BARROS, 2003, p. 66).

Nesta perspectiva, as estratégias individuais minimizam o sofrimento, mas não transformam os aspectos nocivos ao sofrimento presentes, enquanto as estratégias de mobilização coletiva reduzem ou eliminam o sofrimento e modificam a situação de trabalho. Enfim, enquanto o mecanismo de defesa individual apoia-se no fato de a presença física do objeto encontrar-se interiorizada, no mecanismo de defesa coletiva o trabalhador depende da presença de condições externas e se sustenta no consenso de um grupo específico de trabalhadores (DEJOURS; ABDOUCHELI; JAYET, 1994).

Dentre as estratégias defensivas destacadas por Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994), indicam-se o investimento desproporcional que o indivíduo arremete-se à família, a execução de atividades extraprofissionais, a busca constante por tranquilidade, a rejeição de conflitos e a negação da realidade em suma, evitam a conscientização de situações desagradáveis o presenteísmo, definido com presença exagerada no local de trabalho fora do horário, a forte sintonia das equipes, em que transforma o agir em valores e o individualismo, quando realiza tarefas autônomas no próprio grupo, ocorrendo também rupturas no grupo e dispersão das formas de convivência, bem como competição excessiva.

  1. Considerações Finais

Torna-se impossível escrever uma conclusão sobre um assunto que é atual na sociedade contemporânea e está em processo de descobertas e possibilidades.

Esta pesquisa foi extremamente significante enquanto pesquisador e estudante de Psicanálise, pois foi possível refletir a importância da produção acadêmica para o tema em debate ao tempo que perceber como as contribuições da psicanalise nesse ambiente organizacional são imprescindíveis como em qualquer outra área de atuação, evidenciado a importância de profissionais atentos ao compreender o ser sujeito.

Pesquisas nessa direção, considerando a atualidade da discussão, instrumentalizariam ainda mais o Profissional de Psicanálise a no âmbito de suas práticas e nos processos de trabalho, por ter este profissional todas as ferramentas necessárias para atuar nesse contexto de maneira responsável e com todo o aparato nas teorias e técnicas.

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