Que fator determina nossa personalidade: genética ou ambiente?

Por Carollina Guilhermino

Há um debate histórico sobre os fatores que determinam nossa personalidade. Grande parte dos psicólogos atualmente defendem uma visão interacionista entre os fatores ambientais e hereditários. Portanto, a personalidade de cada pessoa representaria uma combinação de fatores genéticos e da experiências de vida. 

A personalidade pode ser entendida como o ‘jeito de ser’ de cada um. Ela envolve mais do que simplesmente o comportamento observável, devendo incluir a identificação de um padrão característico e relativamente estável de pensar, sentir e se relacionar. A visão do mundo que cada um constrói ao longo da vida e que se constitui do temperamento (transmitido geneticamente) acrescido das experiências ambientais – tanto as positivas quanto as negativas – é pessoal e intransferível (Wellausen, Oliveira, 2016, p.274).

Os fatores hereditários se referem aos traços ou características inatas que são herdadas dos pais biológicos por meio da genética. Já os fatores ambientais se referem às influências não hereditárias ou experienciais sobre o desenvolvimento de cada sujeito, ou seja, inclui todas as influências não-genéticas sobre um organismo (Papalia & Feldman, 2013). Todas as experiências de um ser humano, desde sua concepção até sua morte fazem parte do seu ambiente. Os principais fatores ambientais que influenciam o nosso desenvolvimento são a família, a cultura, o nível socioeconômico e a raça/etnia (Papalia & Feldman, 2013). 

Qual fator causa maior impacto sobre o nosso desenvolvimento: ambiente ou hereditariedade?

Atualmente, ainda não temos uma resposta exata para essa pergunta. Existem várias teorias diferentes sobre o papel que a hereditariedade e o ambiente possuem na determinação do desenvolvimento. Podemos destacar três: Teorias inativas, Teorias ambientalistas e as Teorias interacionistas

Teorias inatistas

Segundo os defensores dessa teoria, influenciada pelas ideias de Darwin, haveria uma pré-configuração genética que determinaria o desenvolvimento de cada indivíduo. Características como inteligência, personalidade e traços físicos já estariam formadas e  prontas ao nascimento, devido a nossa herança biológica. Dessa forma, a presença ou ausência de determinadas características em uma pessoa são justificadas pela presença ou ausência dessas características nos pais ou em outros familiares. A influência dos fatores ambientais é ignorada e é defendido que o nosso comportamento não pode ser alterado pela aprendizagem, justamente por nosso comportamento ser inato. (Pinheiro, 1995)

Teorias ambientalistas

Nessa teoria, o ambiente é visto como o principal responsável pela formação do homem. A teoria ambientalista teve como um dos seus principais influenciadores o filósofo John Locke, que é reconhecido pela sua teoria de que nascemos como uma tabula rasa, ou seja, nascemos como uma folha em branco que será preenchida de acordo com as experiências que teremos ao longo da vida.  Portanto, o meio físico e social seriam os fatores que determinam nosso comportamento e personalidade, e a influência da herança genética é ignorada (Pinheiro, 1995).

Teorias interacionistas

Atualmente, a teoria interacionista é a mais aceita. Os teóricos dessa corrente defendem que o desenvolvimento do indivíduo é influenciado tanto pelos fatores genéticos quanto pelos ambientais. Para eles “a hereditariedade estabelece os limites na amplitude de desenvolvimento de característica; dentro dessa amplitude, as características são determinadas por forças ambientais” (Freitas et al., 2012, p.27).

A personalidade seria determinada por fatores que interagem entre si e envolve fatores genéticos, culturais, sociais, de classe social e familiares, além das formas de assimilação e de dar sentido às experiências de vida (Pinheiro, 1995).

Como estudar a influência da hereditariedade e do ambiente sobre o comportamento?

Esse tipo de estudo encontra diversas barreiras metodológicas. A maneira ideal de estudar esse aspecto do desenvolvimento humano seria se separássemos as variáveis para que elas fossem estudadas experimentalmente. Porém, não conseguimos ter um controle total sobre os fatores genéticos e nem ambientais, por isso identificar a influência exata de cada um é impossível e eticamente questionável. 

Estudos realizados com gêmeos idênticos foram uma das saídas encontradas pelos pesquisadores e esse tipo de pesquisa contribuiu muito para o avanço desse tema, pois isola ao máximo o fator hereditário, já que o material genético desses sujeitos são iguais entre si. São realizados estudos com gêmeos criados no mesmo ambiente e em ambientes diferentes, para que se possa inferir mais sobre o impacto de cada fator. O estudo desses casos a longo prazo pode nos fornecer pistas sobre os principais fatores que interferem no desenvolvimento (Freitas et al., 2012).

Caso: Three Identical Strangers 

Há um documentário chamado “Three Identical Strangers” que retrata a história de três irmãos, Robert, David e Eddy, separados aos seis meses de vida na maternidade. Dois deles se encontraram aos 19 anos na universidade de Sullivan, Nova York, em 1980. A história desse encontro foi publicada em vários jornais, junto com uma foto dos meninos, o outro irmão (David) percebeu a semelhança entre eles e descobriu que eles eram trigêmeos idênticos. 

Os irmãos cresceram em ambientes diferentes. A família de Robert possuía um nível socioeconômico mais alto, o pai era médico e a mãe advogada. A família de David era de classe média baixa, os pais eram imigrantes, o inglês era o idioma secundário deles e viviam de um pequeno comércio na cidade. Já a família de Eddy possuía um nível socioeconômico médio, o pai era professor e graduado em uma universidade. 

Porém, mesmo crescendo em ambientes completamente diferentes eles possuíam gostos parecidos. Por exemplo, eles compravam a mesma marca de cigarro, praticavam luta, gostavam do mesmo tipo de mulheres etc. No entanto, apresentavam muitas diferenças também, que só foram ser notadas com o passar do tempo, pois quando eles se conheceram o foco dos meninos recaía apenas nas semelhanças que possuíam.

Ao descobrir que existiam três crianças, os pais ficaram indignados com a postura do orfanato por ter escondido essa informação importante.  A justificativa dada pela instituição foi a de que seria mais fácil que os meninos fossem aceitos se essa informação fosse escondida. Porém, eles descobriram mais tarde, por meio de um jornalista investigativo, que o orfanato possuía uma parceria com um psiquiatra e pesquisador chamado Dr. Peter Neubauer.

Esse pesquisador conduzia pesquisas com gêmeos. Ele selecionava famílias com poder aquisitivo diferente para cada criança para identificar a influência da educação dos pais adotivos e do ambiente na formação da personalidade e desenvolvimento dessas crianças. Quando as crianças eram aceitas nos lares adotivos eles falavam que as crianças iriam participar de uma pesquisa sobre o desenvolvimento de crianças adotadas e que alguns pesquisadores iriam periodicamente em suas casas para fazer um acompanhamento delas, incluindo gravações, entrevistas e aplicação de testes psicológicos. 

Um outro ponto que chama atenção é que todos os irmãos possuíam irmãs dois anos mais velhas do que eles, adotadas, todas do sexo feminino, e toda essa combinação de fatores foi estrategicamente controlada pela instituição de adoção (porém, não se sabe o motivo). 

O estudo foi conduzido de uma forma eticamente questionável. Não se tem informações sobre quantos gêmeos ao certo foram estudados e não existe nenhum artigo produzido sobre os resultados encontrados.

Há indícios que a pesquisa buscava identificar a influência dos transtornos mentais que os pais biológicos possuíam nos filhos, mesmo vivendo em ambientes diferentes. É relatado no documentário que os trigêmeos tiveram ao longo de suas vidas algum tipo de transtorno psicológico. David passou por internação clínica por causa de depressão e Eddy, que tinha o diagnóstico de transtorno bipolar, acabou cometendo suicídio aos 33 anos.

Um dos irmãos relatou no documentário que esse não é o único caso que ele conhece de gêmeos separados na infância que acabou terminando no suicídio de um deles. Por esse motivo, os irmãos acreditam que Eddy possuía algum tipo de transtorno mental hereditário escondido pelos pesquisadores, o que pode ter contribuído para o ato suicida do irmão.

Atualmente os dados da pesquisa se encontram em caixas protegidas na Universidade de Yale.

Considerações finais 

Obviamente o tema da hereditariedade versus ambiente na formação da personalidade não se esgota aqui pois existem diversas lacunas a serem preenchidas. O caso citado acima é exemplo de uma pesquisa muito importante (embora questionável eticamente), que nos ajuda a refletir um pouco mais sobre a complexidade de fatores que influenciam na formação da nossa identidade.

Estudar a respeito do impacto de cada fator na formação da personalidade se faz importante para que possamos compreender como esses fatores interagem e convergem para um resultado em cada indivíduo. Esse conhecimento pode ter grande impacto em diversas áreas da psicologia, como na do desenvolvimento humano, onde os pais podem ser orientados a respeito disso, e na área da psicologia clínica, para que o profissional possa ter maior entendimento sobre o indivíduo que atende. 

Referências

Freitas, D., Viana, L., Figueiredo Cunha, C., Silva, A., & Suarez, M. A. (2012). Genética: um fator de influência na formação da personalidade. JMPHC | Journal of Management & Primary Health Care | ISSN 2179-6750, 3(1), 26-33. https://doi.org/10.14295/jmphc.v3i1.114

Papalia, D. E. & Feldman, R. D. (2013). Desenvolvimento humano (12. ed., D. Bueno, Trad.). Porto Alegre, RS: Artmed

Pinheiro, M. (1994). Comportamento humano: interação entre genes e ambiente. Educar em Revista, (10), 53-57.  https://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.126

Wellausen, R. S., Oliveira, S. E. (2016). Psicodiagnóstico e as patologias da personalidade. In: Psicodiagnóstico. Porto Alegre : Artmed. 

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